Há alguns meses atrás, uma amiga que tinha um namorado de muitos anos, se viu traída e sem um boy “fixo” de novo. Conversando sobre o que tinha acontecido, ela se questionou: “O que vou fazer daqui para a frente? Quais são o os meus planos, projetos e sonhos?” Ela, que estava acostumada a passar pouco tempo sem um namorado, desde que iniciou sua vida amorosa-afetiva-sexual, se viu sem rumo. Isso me fez pensar: Por que muitas mulheres deixam de lado seus planos pessoais para priorizar planos com o par amoroso?
Esse é um questionamento que me fiz à época e que compartilho neste espaço para refletirmos sobre a centralidade das relações amorosas na vida das mulheres e do desafio de construir uma vida sola, consigo mesma, e desfrutar desta vida plenamente.
Vivemos em uma sociedade e cultura que ensinam para as mulheres que o amor/estar em uma relação amorosa é o que de mais importante podem fazer. Estudos no campo das identidades e gênero discutem como mulheres são sociabilizadas para aprenderem a se relacionar, que constroem identidades a partir do olhar do outro, e que o amor é fator identitário neste processo (Valeska ZANNELLO, 2018). As mulheres aprendem também que, estando em um relacionamento, a prioridade é o parceiro (ou parceira), que elas precisam se comportar com zelo e dedicação a esta relação.
Na nossa cultura também há muitas rupturas e são muitas as pessoas que buscam construir formas de se relacionar diferentes das que aprendem sob controle a égide das normas patriarcais de gênero, e que buscam um ideal de democracia no campo da intimidade. Neste ideal, há espaço para individualidades existirem, ao mesmo tempo o companheirismo tem sido almejado nas relações. Não a competição, a opressão nem outros aspectos que limitam e violentam subjetividades.
A minha amiga tinha um namoro com abertura para investimento nas relações de amizade, familiares, rotinas individuais concomitante a momentos juntos, como casal. Ela parecia feliz a tranquila neste modelo de relacionamento que construiu com o namorado. Contudo, ao findar a relação, estar no barco sozinha lhe pareceu assustador. O momento de luto assusta, mas ao meu ver, não ter planos individuais é muito mais assustador.
Vivemos em uma cultura que nos ensina muito mais a fazermos planos e gerenciarmos nossas vidas como mulheres junto com o outro (ou outros) do que sozinhas, digo, sem parceiros(as). Refazer planos sozinha não é fácil. Não estamos acostumadas a isso, porque podemos ser vistas como egoístas, sem coração, malucas… afinal, uma “mulher de verdade” busca estar com uma parceria amorosa e dedicar sua vida a esta relação. Mesmo com tantas mudanças e conquistas, essa visão é ainda muito presente e forte.
A longo dos anos de estudos sobre solteirice, vejo que estar solteira e especificamente sem um relacionamento, e principalmente feliz, é um ato revolucionário. A cultura nos quer em par, e quando sem ele, nos quer infeliz porque parece faltar algo que nos constitui como mulher. Mas podemos aprender a remar num barco e enfrentar as ondas do preconceito. Muitas são as mulheres que tem feito isso, e que conseguem se reencontrar e reinventar nesse lugar de solteira sem par. Desengavetar sonhos, fazer novos planos, ter objetivos independente de um par amoroso, é importante e possível! Ainda mais agora, no verão!
A referência citada pode ser acessada em https://editoraappris.com.br/produto/saude-mental-genero-e-dispositivos-cultura-e-processos-de-subjetivacao/
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