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Foto do escritorSolteirice em Estudo

O número de pessoas solteiras supera o de casadas no Brasil

15 de agosto. Dia das pessoas solteiras.


Neste dia 15 de agosto comemoramos o dia das pessoas solteiras com uma notícia muito importante: o atual censo do IBGE mostra que há mais pessoas solteiras no país do que casadas: são 81 milhões de solteiras e 63 milhões de casadas. Notícia sobre o tema na Terra mostra que, “Segundo a Euromonitor Internacional, o número de solteiros já ultrapassa o número de casados tanto na América do Norte quanto na Europa – e a taxa deve crescer mais de 20% no mundo até 2040”.

Por que o número de pessoas solteiras vem aumentando? E por que o dia 15 de agosto, dia das pessoas solteiras, ainda é tão tímido no Brasil?

O fenômeno da solteirice revela mudanças significativas e multifacetadas que incidem no campo da intimidade de uma forma marcante e veloz. A partir de estudo sobre o tema (Andrade, 2022), cito as relacionadas a mudanças de perspectivas em torno da concepção de família e casamento, que passa a ser mais diversificada e flexível; a emergência de novos estilos de vida, principalmente nas grandes cidades, que trazem como marca a praticidade; as conquistas feministas de direitos a favor da liberdade de escolha no campo da intimidade, especialmente, e busca de rupturas com heteronormas que marcam uma cultura patriarcal. Colaboram para este cenário, o avanço nas tecnologias de comunicação que incidem de modo significativo em como as pessoas solteiras se relacionam e são representadas.

A solteirice é uma condição ou estado ao mesmo tempo coletivo e individual, produto da cultura e que sofre influência do contexto histórico, econômico, social e também é uma construção discursiva. Na nossa cultura, se constitui num paradoxo de um mundo cheio de mudanças, mas também de muitas cobranças que giram em torno de tradições. Quando se fala em solteirice, a primeira coisa que pensamos é a referência àquela pessoa que não está casada, mas que busca um par, um amor ideal que possa trazer completude à sua vida. Este ideal ainda está muito presente como herança de um amor romantizado, principalmente para as mulheres. Na prática, há muitas pessoas solteiras construindo um estilo de vida muito próprio, tecendo pequenas rupturas na forma de amar, de conceber o amor, e que buscam valorizar cada vez mais a liberdade.

No estudo de tese que deu origem ao livro “A solteirice desvelada: modos de ser e viver como solteira e solteiro em Salvador” (Andrade, 2022), quando pergunto o que significa ser/ estar solteira/o para as pessoas que participaram da pesquisa, a “liberdade” vem como a palavra principal. Essa liberdade mostra passos de mudanças que precisamos olhar e valorizar. A solteirice foi discutida no estudo a partir das suas dimensões: estilo de vida, estado civil, solidão e liberdade, mostrando a complexidade desta condição.

Ao meu ver, o dia 15 de agosto ainda é tímido no Brasil porque a liberdade que a solteirice representa, ainda assusta. Principalmente a liberdade das mulheres que se afirmam solteiras por opção. Convivemos com muitos discursos positivos sobre solteirice, que valorizam as pessoas que são donas dos seus destinos e livres para fazerem o que querem – como representação da solteirice – e dentro de suas condições identitárias, dos seus lugares de fala e de pertencimento. Mas, ainda há muitas cobranças pelo casamento, por pedidos de explicações pelo não casamento, muitas microviolências sutilmente postas em piadas, músicas, comentários que parecem inocentes (como algumas frases citadas na reportagem sobre o tema na Exame), mas que passam uma mensagem de que a pessoa foi incompetente (para arrumar um casamento) ou tem algum problema individual que a impediu de se casar ou recasar ( para as separada/divorciada, e viúvas).

O dia das pessoas solteiras é comemorado não somente no Brasil, mas em outros países, como na China, cuja data escolhida para celebrar o orgulho de ser uma pessoa solteira foi 11 de novembro. Esta data foi escolhida por estudantes boêmios que exaltavam e festejavam a condição de serem solteiros neste país. Como outras datas comemorativas, o dia ficou comercializado, como uma espécie de “black Friday”.

Por que não festejar aqui também e ter maior visibilidade como no dia dos namorados (talvez uma visibilidade sem precisar ser comercializada – porque viver solteira/o é bem custoso – no sentido de mais caro mesmo – nesse pais!) ? Em um país com tantas pessoas solteiras e com tantos atrativos para estas pessoas terem lazer, se relacionarem afetiva e sexualmente, construírem laços de sociabilidade entre familiares e amigos/as, por que não falamos muito disso? Em um país onde buscar a liberdade e ter espaço para se conhecer melhor e construir projetos independente de um casamento, se faz tão presente – e muitas vezes necessário, por que não celebramos?

Vale lembrar que o Brasil está em 5º. lugar em feminicídio no mundo, e a cada minuto, milhares de mulheres sofrem algum tipo de violência do seu parceiro íntimo – psicológica, moral, patrimonial, física... Estar solteira neste contexto, pode ser um fator de proteção para as mulheres. Mas não basta estar solteira, é importante se sentir bem nesta condição, haja vista que as mulheres tendem a se culpar, a terem sua auto-estima rebaixada, a sofrer por não ter um companheiro, um grande amor... Enfatizo as mulheres porque para os homens, a solteirice é uma condição mais aceita na nossa cultura, já que eles tem mais liberdade para exercerem a sexualidade fora do casamento, além de maiores possibilidades de se casar com o passar da idade, e o amor não é um fator tão identitário como é para as mulheres (como nos ensina Valeska Zanello,2018), ao falar dos dispositivos de gênero).

A pessoa solteira não precisa mais ser uma pessoa solteira celibata, se não quiser. E nem uma pessoa sem esperança de encontrar um par amoroso (ou pares amorosos). Basta estar atenta/o às armadilhas do patriarcado que sutilmente se apresentam nos modos de se relacionar, e seguir em busca de auto-amor e buscar caminhos que tragam a felicidade.


Este texto foi escrito por Darlane Andrade - Professora no Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia.

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